por Mayra Jacob
Existe uma figura de linguagem chamada metonímia; normalmente, a utilizamos sem perceber, quando usamos uma palavra ou nome para representar algo, como, por exemplo, Maizena, para nos referirmos ao "amido de milho". Quando penso no meu pai, Seleme Jacob (o Neco da Marcenaria), e em marcenaria, essa figura de linguagem vem forte à minha mente. A relação de vida dele e da marcenaria sempre esteve muito entrelaçada, e era sempre muito gostoso ouvir as histórias de como essa conexão tão forte foi se construindo ao longo dos anos.
Meu pai começou a trabalhar com marcenaria; pasmem: aos 8 anos de idade. Algo que hoje em dia é até difícil de imaginar, né? O que poderia ser só uma distração ou mesmo uma ocupação "dos tempos de infância" se transformou em uma paixão na adolescência e um verdadeiro amor na vida jovem e adulta. Aos 15 anos, ele já assumia serviços. E aos 26 anos (em 1981), resolveu abrir sua própria marcenaria. É impressionante pensar que um jovem de apenas 26 anos já tinha uma relação de tão longa data com esse ofício.
Quando decidiu empreender, inicialmente arrendou a marcenaria que havia sido do Sr. Dito Bueno e, ao comprá-la, manteve o nome "Marcenaria Bueno", a pedido da filha do Sr. Dito, Dona Lúcia. Ele sempre deu muito valor e nutria um profundo respeito por aqueles que vieram antes dele.
Meu pai reconhecia, através do cheiro, cada tipo de madeira. Lembro dele dando uma raspadinha com a unha para garantir qual madeira era aquela. Lembro dele dizendo: "não, essa madeira ainda está verde, vamos esperar ela estar bem seca." Ele tinha paixão pelos trabalhos maciços, se reinventava o tempo todo e sabia pelo som qual máquina estava funcionando — se era a tupia ou a desempenadeira. Ele sempre sabia. E quem o conhecia bem sabia identificar que alguns dos seus sorrisos eram reflexos dos sorrisos de clientes que tinham ficado satisfeitos com o trabalho realizado.
Foram 43 anos de história (só de Marcenaria Bueno) e um legado que permanecerá vivo na lembrança de muitos. Mais do que uma marcenaria, ali era uma escola, pela qual passaram e se formaram tantos outros marceneiros e inclusive filhos de marceneiros. Andar pelas ruas da cidade (e até por algumas ruas da região) é ver alguns dos trabalhos que ele fez, como venezianas, portões, portas, e saber que dentro de muitas casas há um pouco de sua história, dedicação e amor.
Sua memória, seu trabalho, bem como a marcenaria permanecerão vivos, com a marcenaria seguindo seu objetivo de materializar os sonhos de seus clientes, conquistados ao longo desses anos. Tudo com a mesma dedicação e carinho que ele sempre teve.
Muito além de um marceneiro talentoso, dedicado e apaixonado pelo que fazia, meu pai foi um cara excepcional, um pai maravilhoso e um grande companheiro de vida para minha mãe. Esta é apenas uma homenagem em poucas linhas de um coração cheio de saudade, do Neco da Marcenaria, a quem eu tenho orgulho de chamar de pai.
Seleme Jacob Netto
24/08/1954 - 18/10/2024