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26/JUN -
26
JUN
A CAIXA, por José Carlos Santos Peres
(Gosto dos meus outonos quando à noite, pela fresta da janela de um azul que se descasca, um fantasma tristinho sussurra pedindo por um copo de água. E depois desaparece, deixando em minhas mãos uma lágrima)
Ouço passos... Estou só em casa e ouço passos.
Então não estou só: a cortina parece responder a algum movimento; não consigo vislumbrar qualquer gesto na escuridão, e não estou disposto a acionar a chave da luminária.
De repente, silêncio! Aprumo ouvidos e só percebo o vento da noite se esfregando no caixilho da janela. Recado? Dele, do vento? De alguma alma penada?
Enfim, busco a luminária, tateando o escuro: a cortina intacta em suas pesadas dobraduras, o copo com água no criado, os chinelos sobre o tapete; a Bíblia: “quando eu ficar com medo, hei de confiar em ti”.
Três horas no visor do celular: hora esperada pelas almas esquecidas, aquelas que ainda estão presas nas tumbas e apenas nesse horário conseguem se livrar dos corpos, alguns descompostos há anos, e saírem a vagar pelos seus antigos aposentados, pelos lugares de suas preferências quando na terra.
A janela? Acendo outras luzes; puxo de vez a cortina e busco o trinco: estremeço! Corro para o canto do quarto derrubando o que encontro pelo caminho; acordo os fantasmas da casa que solidários ao meu espanto sobem pelas paredes e ficam grudados no teto.
Há algo no peitoril da janela que se mexe freneticamente dentro de uma pequena caixa de madeira pedindo para sair. Com o coração na boca, pernas trêmulas, aproximamos, eu e os fantasmas, até aquele depósito.
O fantasma maior, de pernas longas, esfumaçadas, dependura-se no lustre e me faz acreditar que é preciso abrir aquela caixa, apontando para a janela com seus dedos descarnados e trêmulos. Os demais, são muitos, talvez uns dez, abrem os olhos desmedidamente naqueles buracos oblíquos e me intimam à tarefa.
Preciso de coragem; de muita coragem. Mas eu não tenho coragem, sou um covarde assumido quando se trata de lidar com coisas aparentemente de um outro mundo. Da última mula sem cabeça que habitou minha infância corro até hoje, em meus habituais pesadelos.
Então, fecho novamente a cortina, deixo a caixa onde o vento ou alguma alma penada a deixou, mando os fantasmas da casa cuidarem de suas não-vidas, apago as luzes e volto a dormir.
• No creo en fantasmas, pero que las hay, las hay.
José Carlos Santos Peres é de Avaré ex- funcionário de carreira da Sabesp e aqui escreve a convite do diretor da Folha, José Elói que trabalhou com ele na empresa e por muitos anos juntos foram diretores do clube da Sabesp de Avaré. José Carlos é um escritor já premiadíssimo e conhecido por suas crônicas e reconhecido por seu talento. Outros artigos seus estão também publicados nesta plataforma
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